A favela não é apenas um território geográfico; é um espaço de resistência, sobrevivência e guerra irregular. Enquanto o Estado falha em garantir direitos básicos, como segurança, educação e saneamento, os moradores são deixados à própria sorte, criando um vácuo de poder preenchido por facções criminosas. O Comando Vermelho (CV), assim como outras organizações insurgentes urbanas, surge não apenas como uma força criminosa, mas como uma resposta brutal à ausência do poder público. A guerra irregular nas favelas não segue as regras dos conflitos convencionais. Não há linhas de frente definidas, nem uniformes que diferenciem combatentes de civis. A violência é difusa, cíclica e alimentada por décadas de negligência. A guerra urbana não é apenas entre traficantes e polícia, mas uma guerra estrutural, onde o Estado, ao mesmo tempo que reprime, também abandona. O esgoto a céu aberto, a falta de infraestrutura e a ausência de oportunidades criam um terreno fértil para a insurgência. O CV, PCC e outras facções não são apenas grupos criminosos, mas atores políticos não-oficiais que impõem suas próprias leis, resolvem conflitos e, em muitos casos, fornecem assistência básica à população. A venda de drogas sustenta um sistema paralelo, mas também aprisiona jovens em um ciclo de violência sem saída. Muitos não veem alternativa a não ser pegar em armas, tornando-se "soldados pedindo esmolas", haja vista que muitos desses soldados bancam plantões para ganhar cerca de 200 a 500 por semana. O Brasil que a mídia esconde é o Brasil das favelas, dos quilombos modernos feitos de madeirite e concreto. A narrativa midiática frequentemente reduz os moradores a meros coadjuvantes da violência, ignorando as causas estruturais. A pobreza é romantizada ou demonizada, mas raramente compreendida. A bala perdida não escolhe vítimas por acaso—ela atinge aqueles que já são alvos de um sistema que os condenou à marginalidade. O inimigo não é apenas o traficante, o policial ou o Estado—é a própria estrutura que perpetua a miséria. Crianças que deveriam estar na escola viram "crianças de pistola", porque ninguém as incentivou a ler ou escrever. E quando incentivam, usam métodos ideológicos disfarçados de "educação emancipadora". A insurgência urbana é, em parte, uma resposta à exclusão. Quando um sistema nega dignidade, ele colhe revolta. O futuro chegou, mas para muitos, ele ainda é feito de correntes—seja as do tráfico, da polícia ou da pobreza. Enquanto o Estado não reconhecer a favela como parte integrante da cidade, e não como um território a ser controlado ou ignorado, a guerra continuará. A favela não é só um lugar—é um grito. E enquanto houver descaso, haverá insurgência.