CV e PCC são terroristas. E depois?

Publicado em 08/05/2025 22:39

Após classificar Comando Vermelho e PCC como organizações terroristas, passamos a ter mais problemas. Vamos por partes. Dentro de uma perspectiva geopolítica e de guerrilha urbana em conjunto com operações psicológicas e artimanha jurídicas temos diversos tópicos importantes para citar. 📌1. Reconhecimento do PCC/CV como organizações terroristas é um passo arriscado e que traz diversas consequências para o Estado. Ao classificar facções como organizações terroristas, as regras do jogo não são mais as mesmas e o tabuleiro de xadrez muda a favor das organizações criminosas. 🛑 No Rio de Janeiro, imaginamos (ou reconhecemos, se quisermos extrapolar o debate) que: ✅ O Comando Vermelho (CV) tem liderança centralizada, comando hierárquico, disciplina interna, capacidade de conduzir operações coordenadas, emitir ordens militares e manter estrutura logística, financeira e armada; ✅ Há confrontos armados massivos com forças governamentais, usando armas pesadas, barricadas, táticas militares organizadas, e não apenas emboscadas esporádicas ou ataques criminosos dispersos; ✅ O grupo exerce controle territorial de fato em certas áreas (favelas, comunidades), sendo capaz de impor normas locais, cobrar impostos, proibir/impedir a entrada de forças estatais, etc. 👉 Esse cenário se aproxima substancialmente dos critérios estabelecidos pelo Direito Internacional Humanitário para classificar um conflito como Conflito Armado Não Internacional (CANI). ⚖O Artigo 3 Comum das Convenções de Genebra e o Protocolo II estabelecem dois pilares: Organização do grupo armado: capacidade hierárquica, disciplina, comando, recrutamento, treinamento, sistema de armas, capacidade logística, etc. Intensidade das hostilidades: confrontos prolongados, uso de armamento pesado, duração e escala dos combates, número de vítimas, controle territorial, capacidade de desafiar o Estado. Se, no Rio, o CV cumpre essas condições, não importa se ele é chamado de grupo criminoso ou terrorista — o DIH olha para a realidade dos fatos, não para o rótulo. Isso significa que, juridicamente, o conflito interno entre o Estado Brasileiro e o CV poderia ser classificado como CANI. Sendo assim, ao abrir ainda mais a brecha, classificando o CV e PCC como organizações terroristas, consolida e valida ainda mais a narrativa de que o que acontece no Rio de Janeiro é um CANI. A doutrina “unable or unwilling” não é usada por um Estado para enquadrar seus próprios problemas internos; ela é usada por outros Estados para justificar operações militares além das fronteiras. Exemplo clássico: Os EUA alegaram que o Paquistão era “unable or unwilling” de neutralizar a Al-Qaeda, então se deram o direito de lançar ataques (drones, operações especiais) no território paquistanês. Portanto, se o CV cresce como ameaça transnacional, os EUA poderiam alegar que o Brasil não está disposto ou não é capaz de conter a ameaça, e usar isso como base para agir unilateralmente (embora isso gere graves questões de soberania e legalidade internacional). Mas isso não significa que, dentro do Brasil, o governo passe a enquadrar automaticamente o conflito como CANI. O Brasil precisaria fazer uma análise própria sobre se a luta interna já cruzou o limiar da criminalidade para o de conflito armado. 1️⃣ Quem “declara” que há um CANI? No DIH, não existe um “certificado oficial” emitido por um Estado ou por um tribunal dizendo: “A partir de hoje, isso é um CANI”. O que importa não é a declaração formal, mas os fatos no terreno. Se os fatos atendem aos critérios objetivos de: ✅ organização do grupo armado, ✅ intensidade suficiente da violência, ✅ confrontos prolongados, ✅ capacidade de desafiar o Estado; 👉 então o regime jurídico de CANI automaticamente se aplica, mesmo sem o Estado reconhecer isso oficialmente. Ou seja: O Brasil pode reconhecer ou não publicamente um conflito como CANI, mas, juridicamente, se os fatos encaixam, as obrigações internacionais existem de qualquer forma. Outros países, a ONU, ONGs e tribunais internacionais podem qualificar (ou pressionar) que um determinado contexto seja visto como CANI, mas isso não depende de uma formalidade — depende de uma análise objetiva. Se os EUA classificarem o CV como ameaça transnacional: ✅ Eles não precisam esperar que o Brasil declare CANI. ✅ Eles podem dizer que o Brasil não consegue controlar e, por isso, alegar direito de autodefesa. ✅ O Brasil pode contestar isso, dizendo que se trata de questão interna, de criminalidade organizada, e que qualquer intervenção violaria sua soberania. O embate então não seria sobre DIH, mas sobre legalidade do uso da força internacional. Entretanto, podemos e devemos olhar as consequências internas neste momento de pós decisão. Em um cenário internacional abre brechas das mais diversas, por outro lado, permite à facção alegar que está em guerra e isso é a consolidação da barbárie. O inimigo passa a ser um ator político e não mais um narco-guerrilheiro com atuação transnacional. 📌 Uso da narrativa de opressão estatal + ONGs: Em um cenário - hipotético, rs - o Comando Vermelho poderia abrir ou cooptar uma ong e planejar o uso estratégico. Caso uma ong use fatos jurídicos históricos, como a ADPF 635, que questione a letalidade e legalidade das ações policiais e em conjunto, criar uma imagem internacional de que o Estado Brasileiro pratica genocídio contra negros e pobres nas fevelas. Alguns aritgos poderiam dizer que este tipo de cenário - hipotético, rs - seria uma espécie de operação psicológica com base em guerra de quinta geração e guerra informacional. 📌 Pedido de autodeterminação dos povos via ONG: Em um cenário - hipotético, rs - a facção poderia usar ONGS para pedir que favelas sejam reconhecidas como territórios autônomos, alegando que a população é culturalmente distinta, vive sob a opressão e abandono estatal; Podem criar uma identidade própria, como se fossem um povo à parte - "o povo da favela, o povo do morro". Aliado a isso é plausível o uso da guerrilha política e controle de rotas logísticas, bem como o controle informacional, como o uso de discursos progressistas, antiracista e antiopressão para legitimar um projeto de poder paralaelo - ou alternativo, rs - que protege o povo do abandono, da opressão e persguição estatal; 📌 Reconhecimento Internacional: Pra ter reconhecimento internacional como Estado precisa de: 1- Governo Efetivo - Quem impõe o controle normativo detém o poder efetivo. 2- População permanente; 3 - Capacidade de manter relações com outros Estados: Improvável, mas possível via ONGs ou mesmo grupos revolucionários em outros países. Ou caso um país ou "bloco simpatizante" com viés anti-imperialista e grupos e movimentos revolucionários internacionais decide reconhecer isso politicamente, o Brasil entre um estado de crise diplomática, política e constitucional. Embora possa parecer mais surreal do que prático, ainda assim é tecnicamente possível se o Estado continuar ausente e desorganizado e "engessado" frente às narco-guerrilhas. Organizações criminosas já tem território e base social. Com uma boa narrativa, bem construída usando temas chocantes, como genocídio, racismo, abandono e outras causas similares é possível ganhar apoio internacional, mesmo que não oficial. Com a atuação de ongs, é possível fazer o pedido e denúncias em organismos internacionais. Com a criminalização do Estado e a vitimização da facção, é possível inverter o papel: de criminoso a resistência armada. Ganhando o que falta para um grupo armado não estatal: Legtimidade; Se isso se consolidar num CANI, os membros das facções podem pedir status de combatentes e aí os problemas jurídicos começam a aumentar. A decisão de transformar/classificar CV e PCC como organizações terroristas aumenta ainda mais a responsabilidade e peso da narrativa de ineficiência do controle estatal, inclusive "respingando" em outos países. Essa decisão tem impactos diretos e indiretos na narrativa, imagem, influência e política do Estado.

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